Tal como todos os países africanos, S. Tomé e Príncipe, embora um arquipélago, também se encontra grandemente revestido de inúmeras manifestações culturais.
Estas exaltam os nossos valores, as nossas crenças, as nossas tradições, os nossos ritos, isto é, aquilo que genuinamente fomos, somos, e sempre seremos – Homens Livres, Forros, de facto alforriados pela natureza.
Mas, o que de facto é o Socopé? Qual a sua origem, o seu significado e a sua evolução? Quais os seus rituais? Qual o parecer da sociedade relativamente á esta dança? Qual a entidade responsável pela sua supervisão e andamento?
Estas são algumas questões pertinentes cujas respostas serão reveladas ao longo da explanação do nosso trabalho, além de outras que também contribuirão para o aguçamento dos nossos e vossos saberes no que se refere ao Socopé ou Bilanguá.
O nosso objectivo neste trabalho é definir de forma mais íntegra possível o que de facto é o Socopé ou Bilanguá. Ora, como sistematicamente nos foi transmitido, é uma das danças tradicionais de S. Tomé e Príncipe. Mas perguntamos: Qual o verdadeiro significado do termo dança? O que denota a palavra tradicional?
Bem, dança corresponde à execução rítmica de movimentos do corpo, geralmente acompanhados por música, podendo o ritmo ser ou mais lento, ou mais rápido. É também um dos meios pelos quais expressamos exteriormente as nossas emoções, atitudes e valores, muitas vezes de alegria, e raras vezes de ódio e vingança (conforme manifesto nas danças de guerra).
Essas emoções reveladas nas danças são realçadas por trajes apropriadamente coloridos, ou por divisas e galões.
Quem dança tem arte. Desde os tempos mais antigos, de acordo com o que veremos na história da dança Socopé.
A dança é usada por todas as raças como meio de expressão emocional, principalmente, no que se refere á adoração e a tradição. O Socopé não foge á regra. Assim, «os motivos e objectivos das próprias danças, as suas finalidades anunciadas, os movimentos dos corpos dançantes e as ideias transmitidas por eles aos espectadores são coisas importantes a considerar», pois, isto constitui um elemento identificador de um povo.
Contudo, também vimos que a dança faz parte de uma determinada tradição, ou seja, «informações, doutrinas ou costumes, transmitidos dos pais para os filhos ou que se tornaram o modo estabelecido de pensar ou de agir». Etimologicamente, o termo tradição vem do grego «paradosís» que significa, literalmente, «coisa entregue em adição» é, portanto, o que é transmitido por via oral ou escrita.
Agora sim, podemos dizer, consciente e convictamente que o Socopé é uma dança tradicional, isto é, prática cultural que nos foi transmitida por nossos pais e avós, maioritariamente por via oral, como é o caso do Socopé.
E interessante que o Socopé, conforme dito pelos santomenses, corresponde á pronúncia errada de «só com os pés ou só com o pé». Quanto a como e quando começou, ninguém sabe. Mas, garante-se que, de entre todas as outras, é a dança mais genuinamente santomense.
Supõe-se que ela tenha tomado o lugar do «lundum», dança mais antiga de S. Tomé, que possuía um conjunto musical composto por três elementos: a dunfa, que representa o bombo, a caixa média e caixa requinte, ambas feitas de pele de aro e casca de madeira. Mas, há quem diga que não. Mas, isto não interessa. O que interessa é que a dança é pura de S. Tomé. Ela é composta por duas partes: a feminina, e a masculina.
As senhoras vestem quimonos (blusa tradicional de vários modelos, feitios, e cores, utilizadas pelas senhoras de S. Tomé e Príncipe, quer nos expedientes quotidianos, quer nas festas religiosas e populares) e saias. Por outro lado, os senhores usam nas camisas fitas e distintivos. Também as senhoras usam distintivos, que assumem a forma de bandas coloridas que lhes atravessa o peito, além de fitas atadas nos seus chapéus e lenços.
Como forma de expressão cultural, as danças tradicionais, existiam desde outrora e sempre estiveram presentes em várias civilizações.
Será que com o passar do tempo as danças se alteraram? Poderão estabelecer-se paralelos entre as danças actuais e as antigas? Bem, é natural e lógico que as culturas evoluam com passar do tempo, sendo o Homem o produtor da sua própria cultura, não é um ser isolado, mas sim, um ser sujeito a várias influências; influências estas que se intensificaram ainda mais com a globalização. No entanto, evolução não significa necessariamente, alteração total ou modificação radical. É exactamente isso que se pode observar nas danças tradicionais de S. Tomé. Em geral, estas evoluíram, mas as suas características fundamentais permanecem.
Entretanto, se analisarmos atenciosamente os rituais do Socopé, seremos capazes de estabelecer paralelos entre ela e algumas danças da antiguidade. Por exemplo, tal como nas danças Babilónicas, o Socopé também está ligado a cortejos e procissões, existindo, também, uma fusão entre elementos religiosos e pagãos.
As tendências religiosas são visíveis nos dias em que respectivos grupos de Socopé realizam a celebração do seu aniversário, pois reúnem-se na Igreja em companhia dos seus diversos «santos». Não obstante, após o pequeno culto, a festa pagã segue-se com seus ritos e práticas. O Socope´ é normalmente representado no mesmo dia em que outras danças tradicionais se exibem.
Antes do Socopé propriamente dito, faz-se uma cerimónia introdutória. Mais do que todas as outras, o Socopé é uma dança tradicional cujo ritual é complicado, mas que todos os participantes o acatam obedientemente, apesar de não existir nada escrito. Os respectivos membros do grupo sabem que começam por se sentar ordeiramente numa mesa, cada um no seu devido lugar, tendo em conta o seu grau de importância. Esta é a posição correcta para a refeição que á deve ser servida a estes no final da noite (23:00). Estes tomam as suas posições ao som do apito tocado pelo presidente do grupo. Cada toque do apito resulta num acto por parte dos membros recostados á mesa. O primeiro toque implica a aproximação do grupo a mesa. Ao segundo, põem-se em fila ao redor da mesa. Ao som do terceiro apito, todos devem acenar com as mãos, fazendo continência ao presidente. Ao toque do quarto, sentam-se na mesa, e por último, ao toque do último apito, todos começam a comer. Mas entre os toques de apitos, há longos intervalos de tempo. Após a ceia, todos estão fisicamente energéticos; depois se levantarem da mesa e de se terem organizado, hasteiam a bandeira da sociedade da qual fazem parte. Isto é sinal de que a exibição do Socopé vai começar. Ordeiramente, entoam as suas melodias, marchando. Esta marcha avança tão vagarosamente que o grupo é obrigado a parar, repetidas vezes, para se reorganizar, por causa da desordem dos espectadores que acompanham activamente a marcha.
Com a marcha, pretendem chegar ao quintal do dirigente da festa, pois os grupos de Socopé normalmente actuam em ocasiões (festas), para as quais são convidados especiais. Mal chegam ao quintal do anfitrião, ainda acompanhados dos observadores ansiosos, um garoto, por designação, coloca um banquinho (mocho de madeira) ao lado da pessoa que irá discursar. Este, por sua vez, põe-se sobre o mocho, e insta silêncio, pois a barulheira é enorme, obedientemente todos se calam. O orador começa por homenagear os realizadores do festim, por se encarregarem de cobrir todas as despesas feitas em prol da festa. Depois bombardeia todos com sátiras, ditos grosseiros, maliciosos e ordinários. Porém, entre os espectadores, estes suscitam riso. O ambiente torna-se totalmente risonho.
Similar a quase que todas as outras danças tradicionais de S. Tomé, o Socopé obedece a uma hierarquia, embora a do Socopé seja mais complexa e numerosa. Quer na parte masculina, quer na feminina. Temos o presidente, o vice-presidente, o presidente do conselho, o comissário, o presidente do caminho-de-ferro, o secretário, o inspector do cântico, o comandante do cântico, o primeiro cantor, sócios, tocadores, cantores e dois chefes de trânsito. Nesta sequência, o que tem mais responsabilidades é o presidente, pois é este quem tem a tarefa de supervisionar o grupo em todos os aspectos. Mas além do presidente, todos eles têm as suas funções; funções estas que pertencem única e exclusivamente a eles. Ninguém se intromete nelas.
As senhoras formam pares com senhores da sua categoria (por exemplo: o presidente com a presidente). Os respectivos pares enlaçam as suas mãos e marcham, dando seis passos tradicionais. O resto é deixado à mercê dos dançarinos, que influenciados pelo toque da música, dançam euforicamente. A dança é capaz de quebrantar os grilhões do receio e da vergonha. Com poucos intervalos de descanso, dançam, cantam e tocam até o amanhecer do novo dia.
Os santomenses constituem uma “nação” com um enorme potencial criativo. Embora influenciados pela chamada globalização, que de facto de uns tempos para cá, tem causado grandes repercussões no que se refere à nossa tradição e à nossa cultura, estes não dão grandes margens para o desenraizamento total das suas potencialidades criativas, em especial no âmbito cultural. O povo santomense é grandemente caracterizado pelas suas músicas. Mas, ao falarmos de músicas, obrigatoriamente temos que fazer menção detalhada ao conjunto responsável pela produção de sons presentes nas músicas – instrumentos musicais.
O Socopé enquanto dança tradicional é a que, provavelmente, usa menos instrumentos musicais. É interessante, que alguns destes instrumentos musicais advêm de coisas simples, acessíveis muitas das vezes aparentemente insignificantes, mas que os tocadores usam tão bem, fazendo-os produzir sons extraordinários.
Este é o caso do chamado pó mamom (português: pau de mamão), que é adquirido do tronco do mamoeiro. Este, depois de preparado, produz sons quase que idênticos ao dos trombones de vara. Além deste, também usam dois tambores, que são indispensáveis. Também é comum incluir-se duas sacáias, instrumento musical que consiste num cesto clausulado, de pequena dimensão, cheio de grãos de salaconta (chocalho tradicional) e por último, além de um par de ferrinhos, costuma-se usar dois canzás – instrumento musical similar ao Reco-Reco, que consiste num pau dentado, onde se esfrega outro pau afim de emitir um som seco e contínuo. Resta ter a capacidade de manejá-los correctamente, fazer convergir os seus sons e temos o Socopé «feito».
Desde outrora que o modo como as pessoas se vestiam, especialmente nas manifestações culturais, servia de marca identificadora para as mesmas. A forma de nos vestirmos em determinadas ocasiões, reflecte a nossa personalidade, as nossas crenças, as nossas emoções e os nossos sentimentos. Só para exemplificar, o uso frequente de roupas pretas (brancas ou roxas – dependendo da cultura) aplica-se a pessoas que perderam os seus entes queridos. Neste caso, a vestimenta reflecte os sentimentos de pesar, de tristeza e desgosto.
Bem, felizmente este não é o caso da vestimenta predominante no Socopé. Antes, pelo contrário, as cores das roupas são vivas e tão vistosas que logo soltam à vista, quer no que diz respeito à indumentária feminina, quer masculina. As senhoras envergam quimonos e saias, conforme já se salientou. Além de já haver cores no facto, usam panos coloridos que lhes atravessa o peito, fitas nos lenços e nos chapéus. Por outro lado, os homens usam uma roupa mais formal, e em simultâneo, divisas e distintivos nas camisas que atestam a sua posição elevada.
A música é um meio pelo qual os humanos podem dar expressão às suas emoções, tristezas e alegrias. O expressar alegria aplica-se directamente ao Socopé, pois embora esta seja simples e acessível, quer no som quer nas palavras, ela transmite uma inspiração tão forte quer aos dançarinos quer aos espectadores, que raramente se verificam intervalos na dança e estes dançam ao som da musica até à manha seguinte.
O som do Socopé limita-se a estar em consonância com o coro emitido por quase todos: pelos dançarinos, pelos tocadores e pelos próprios representadores. E é importante referir que as músicas do Socopé são sempre cantadas em dialecto e as suas letras dizem várias coisas. Umas vezes satirizam o governo, os representantes do país, outras as práticas da sociedade. Mas algumas há que apelam ao amor, à harmonia e à fé de cada um.
Embora o ritmo das músicas do Socopé seja cadenciado, reporta-nos para algo de triunfante, para como que uma celebração de marcha e de glória. Actualmente existem poucos grupos de Socopé activos em comparação os tempos passados, no entanto, cantores nacionais tais como Nilo Galego e Garrido (Equipe SomMaster) têm dado prosseguimento a este tipo de música, valorizando assim o nosso património cultural.
Para qualquer país se desenvolver culturalmente, é preciso haver um interesse manifesto de toda a população de modo a promover a sua cultura. Sobretudo em S. Tomé onde existem tantas expressões culturais. O Socopé é apenas uma entre tantas outras, tipicamente são-tomenses; mas tem-se notado que esta dança está a perder o seu valor, uma vez que as pessoas têm mais interesse por outras, apesar de terem surgido, nos últimos anos, vários grupos para a divulgação e promoção da mesma. Por esta razão é importante que se verifique a consolidação destes grupos culturais. Ao recolhermos depoimentos de algumas pessoas na rua, concluímos que poucos têm vontade de aprender esta dança.
Este trabalho, tem como objectivo, exortar a todos os santomenses à acção, isto é, embora pareça (para muitos) ser tarde demais para isso, o desaparecer ou o permanecer daquilo que é nosso por direito legítimo muito dependerá de quando e como agiremos.
Os santomenses são livres, foram literalmente e felizmente libertos dos grilhões que os aprisionavam, mas podemos concluir e o leitor poderá concluir também que numa perspectiva lógica e sem nos apercebermos nos estamos enlaçando novamente. Liberdade é sinónima de identidade única e própria. Assim se nós continuarmos a permitir que a nossa cultura, a nossa tradição, em suma a nossa identidade, desapareça com a intensidade com que está desaparecendo, também perderemos o que nos caracteriza enquanto forros, ou seja, a nossa liberdade, pois deixaremos de possuir o nosso bilhete de identidade cultural.
Não é que tenhamos que optar pelos extremos e sermos fundamentalistas e impedirmos a entrada de qualquer influência estrangeira, mas também não deveremos ser permissivos ao ponto da apatia e aceitar quer a exagerada aculturação, quer o desarreigamento dos nossos alicerces culturais.
Porém, devemos optar pela razoabilidade, ou seja, seguirmos as orientações do «levê levê», o nosso lema. O ser levê levê que implica reflectir e raciocinar o suficiente a fim de agirmos eficazmente.
Se nós fizemos isso e tendo em atenção o que o ditado popular diz «é do pequenino que se torce o pepino», haverá mais possibilidades de os jovens se dedicarem à nossa cultura se os seus pais ou encarregados de educação ou ate mesmo os seus avós lhes incutirem esses valores desde a infância estaremos a trabalhar para a preservação da nossa cultura e identidade.